Publicado em 17 mar 2020

A contaminação dos aquíferos por nitrato

Redação

O livro Nitrato nas águas subterrâneas: desafios frente ao panorama atual traça um panorama sobre o contaminante, abrangendo temas como ocorrências, fontes potenciais de contaminação, efeitos nas saúdes humana e animal, bem como propostas de estratégias e recomendações para a prevenção e redução do problema. A publicação, que poder baixada gratuitamente, destina-se aos gestores de recursos hídricos e de saúde pública, assim como a profissionais especializados no campo das águas subterrâneas, e foi elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) – Nitrato, da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH). A publicação contou com a coordenação técnica do Instituto Geológico (IG), além da participação de profissionais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo (Cepas-USP) e de consultores privados. Abaixo segue o texto de um resumo executivo do livro.

 

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O nitrato é o contaminante de maior ocorrência em aquíferos, no Brasil e no exterior. Essa substância é utilizada, mundialmente, como indicador de contaminação das águas subterrâneas devido à sua alta mobilidade, podendo atingir extensas áreas; Embora seja de média toxicidade, o nitrato é um dos mais insidiosos e persistentes contaminantes nas águas subterrâneas. Sua presença frequente em aquíferos tem preocupado gestores de recursos hídricos nas esferas municipal e estadual, dado ao crescente número de casos reportados nas áreas urbanas e rurais em diversos países, inclusive no Brasil. Essa situação é uma realidade em todas as regiões do país, uma vez que as cidades brasileiras apresentam, em variados graus, algum problema com esse contaminante.

 



Nesta publicação, é possível obter informações sobre a ocorrência de nitrato em aquíferos, as principais fontes de contaminação em áreas rurais e urbanas, os efeitos nas saúdes humana e animal, bem como uma visão geral sobre o cenário atual da contaminação dos aquíferos paulistas e do enfrentamento do problema, incluindo algumas recomendações para a prevenção e mitigação do impacto por nitrato, destinadas às três diferentes instâncias: órgãos de governo (estadual e municipal), comitês de bacia e usuários. Assim, entende-se que esta publicação constitui um documento de referência inédito em São Paulo e, talvez, no país, destinado principalmente à consulta pelos órgãos gestores de recursos hídricos e de saúde pública, além de profissionais especializados no campo das águas subterrâneas.

 

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O padrão de potabilidade do nitrato para consumo humano, estabelecido pela Portaria de Consolidação nº 5/2017 do Ministério da Saúde (MS), é de 10 mg/L na forma de nitrogênio ou 45 mg/L como nitrato. Além do valor estabelecido pelo Ministério da Saúde, no estado de São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) adotou o valor de prevenção de 5 mg/L N-NO3 em suas ações de prevenção e controle à contaminação.

Em relação aos valores adotados para o consumo animal, dados apresentados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indicam que esse padrão equivale a 100 mg/L, expresso como nitrato + nitrito (NO3 + NO2). Este valor foi estabelecido conforme a quantidade que pode ser encontrada nas águas superficiais e subterrâneas e não é, necessariamente, o limite de tolerância animal.

A ingestão de água com concentrações de nitrato superiores ao padrão de potabilidade pode causar doenças como a metehemoglobinemia (ou síndrome do bebê azul), alguns tipos de câncer, como o linfático e gástrico) ou mesmo problemas no sistema reprodutivo, em seres humanos e animais. Vários estudos foram realizados para avaliar a relação entre nitrato e câncer, embora não sejam considerados conclusivos e definitivos a respeito deste aspecto.

Além das enfermidades citadas, há estudos que associam o consumo de altas concentrações de nitrato e o quadro de intoxicação crônica em animais, refletindo em baixa produtividade, redução no ganho de peso, quedas da eficiência reprodutiva, deficiência de vitamina A e abortos, sendo os ruminantes os mais suscetíveis. Contudo, apesar de inúmeros trabalhos conduzidos na área, os resultados obtidos são pouco conclusivos.

O nitrato em aquíferos pode ter origem antrópica ou natural, ocorrendo em áreas rurais e urbanas. A contaminação por nitrato em áreas rurais é proveniente, sobretudo, das atividades agrícolas (manejo inadequado de fertilizantes nitrogenados, inorgânicos e orgânicos), criação de animais e armazenamento impróprio de seus dejetos, decomposição de resíduos orgânicos e fixação biológica, lagoas de efluentes, bem como dos sistemas de saneamento in situ (fossas sépticas e negras).

Nas áreas urbanas, as principais fontes responsáveis pela contaminação por nitrato estão associadas à disposição de resíduos sólidos (lixões e aterros sanitários mal construídos, em locais impróprios) e, principalmente, aos sistemas de saneamento, dos quais destacam-se as fossas sépticas e negras, bem como os vazamentos das redes coletoras de esgoto. Em algumas áreas do planeta, o nitrato pode aparecer naturalmente nas águas subterrâneas pela percolação de sais depositados em superfície mediante condições de total aridez.

 



Estes depósitos podem ser transportados aos aquíferos de acordo com processos que incluem: inundações locais ocasionadas por chuvas torrenciais, irrigação, disposição inadequada de resíduos de mineração, entre outros. O nitrato é um problema que afeta importantes aquíferos paulistas. A presença de concentrações relativamente elevadas deste contaminante nas águas subterrâneas é uma realidade no estado de São Paulo.

Acredita-se que muitas cidades paulistas enfrentem, em variados graus, algum tipo de problema com a ocorrência desse contaminante nas águas subterrâneas, ou ainda não sabem disso. O monitoramento da qualidade natural das águas subterrâneas, efetuado pela Cetesb desde 1990, detectou um aumento sistemático nas concentrações de nitrato ao longo do tempo, muitas vezes acima de 10 mg/L N-NO3, em diversos poços tubulares, especialmente naqueles que captam água dos sistemas aquíferos Bauru (SAB) e Guarani (SAG). Além destas unidades hidrogeológicas, também foi constatada uma tendência de aumento nas concentrações de nitrato nos sistemas aquíferos Pré-Cambriano e Serra Geral (SASG).

Dos sistemas aquíferos citados, especial atenção é dada ao SAB, considerado a principal e a menos onerosa fonte de abastecimento de água nas cidades do centro-oeste paulista. Por conseguinte, é o que possui o maior número de pontos de monitoramento. Ademais, esse sistema aquífero compreende a maior unidade hidrogeológica em área de exposição e o mais vulnerável à contaminação antrópica, com as mais elevadas concentrações de nitrato dentre os aquíferos no estado de São Paulo.

A contaminação das águas subterrâneas por nitrato é verificada em diferentes profundidades. Atualmente, observa-se que as maiores concentrações ocorrem nas porções mais rasas dos aquíferos, mas concentrações acima de 5 mg/L N-NO3 já foram detectadas, a grandes profundidades, em diversas localidades do estado de São Paulo.

O cenário de contaminação dos aquíferos paulistas por nitrato é mais bem caracterizado nas áreas urbanas, carecendo de maiores estudos em áreas rurais. Apesar da rede de monitoramento da qualidade natural das águas subterrâneas da Cetesb apresentar, atualmente, pontos de observação situados em áreas rurais, ressalta-se que os mesmos são ainda muito escassos, restringindo-se apenas aos locais de afloramento do SAB e do SAG.

O nitrato não é detectável na água pelo odor, sabor ou cheiro característico. Sendo assim, somente uma análise química permite diagnosticar sua presença. Com o intuito de identificar o problema e avaliar o perigo de contaminação dos aquíferos por esta substância, é necessário considerar os seguintes aspectos: mapeamento de áreas contaminadas e identificação das fontes potenciais de contaminação – que abrange estudos como os hidrogeoquímicos, hidrogeológicos e geofísicos com o intuito de mapear as áreas contaminadas, além de identificar e caracterizar as fontes potenciais de contaminação.

 



Em relação às áreas contaminadas, a profundidade a ser atingida, bem como a extensão da contaminação, dependerá de alguns fatores que incluem: natureza da fonte potencial ou real de contaminação, além das características do aquífero impactado. O uso e a ocupação em áreas urbanas que compreende a avaliação dos seguintes aspectos: tipo e idade da ocupação urbana; densidade populacional; existência ou não de rede de esgoto; idade da rede de esgoto; identificação de fugas da rede de esgoto; ocorrência de fossas sépticas; identificação de outra (s) possível (is) fonte(s) potencial (is) de contaminação por nitrato.

Quanto ao uso e ocupação em áreas rurais deve compreender a avaliação dos seguintes aspectos: tipo de cultura, dosagem e frequência de aplicação dos fertilizantes nitrogenados; tipo de irrigação; recarga do aquífero; criação de animais; forma de armazenamento dos fertilizantes e/ou dejetos animais e destinação de embalagens e/ou eventuais resíduos; situações das lagoas de efluentes; aspectos construtivos dos sistemas de saneamento in situ (fossas sépticas e negras); posicionamento dos sistemas de saneamento in situ (montante ou jusante) e respectiva distância em relação aos poços existentes.

Quanto aos aspectos construtivos dos poços, consiste na avaliação dos poços existentes nas áreas afetadas e se estes foram ou não construídos dentro das normas técnicas vigentes. Caso a perfuração dos mesmos esteja em desacordo, agravada pelos descasos quanto ao uso e ocupação do solo no seu entorno, pode tornar-se um vetor de contaminação dos aquíferos. A qualidade das águas subterrâneas e a evolução das concentrações de nitrato deve consistir na avaliação da qualidade das águas subterrâneas e de suas respectivas evoluções temporais, mediante amostragem, segundo as normas vigentes para coleta, análises químicas e frequência de amostragem.

As técnicas existentes para a remediação de aquíferos contaminados por nitrato, em geral, são extremamente dispendiosas, inviabilizando sua aplicação em grande escala. Por outro lado, existem alternativas que permitem conviver com essa situação, sem descuidar da implantação, em paralelo, de ações corretivas.

Atualmente, uma medida bastante utilizada consiste no tratamento da água contaminada por nitrato e/ou diluição, de modo que as concentrações finais desta substância estejam dentro dos limites de potabilidade, conforme previsto pela Portaria MS de Consolidação nº 5/2017 (BRASIL, 2017). Várias técnicas têm sido desenvolvidas e aplicadas para o tratamento das águas subterrâneas, baseadas em: processos físico-químicos, desnitrificação química e/ou biológica; técnicas in situ.

A opção pela técnica mais adequada de tratamento de água, bem como de sua respectiva eficiência, depende de inúmeros fatores: características do aquífero; custos de operação e manutenção do sistema; tamanho/capacidade do sistema; qualidade da água a ser tratada; finalidades de uso da água. E o que fazer para evitar a contaminação dos aquíferos por nitrato? Uma vez que a contaminação das águas subterrâneas por nitrato está associada a inúmeras fontes potenciais e que a prevenção ainda continua sendo a melhor solução, é necessária a implantação de um conjunto de ações preventivas. Uma delas seria o planejamento sobre o uso e ocupação do solo em áreas urbanas.

 



Por exemplo, implantar redes coletoras e sistemas de tratamento de esgoto anteriormente à ocupação em áreas urbanas, evitando-se a proliferação de fossas sépticas ou negras ou mesmo de ligações clandestinas de esgoto em redes pluviais ou lançamentos em córregos. Nas áreas já cobertas por rede de esgoto, recomenda-se manter e melhorar os seus sistemas de coleta e tratamento, a partir da substituição de redes antigas.

Em locais onde não é possível implantar tais redes, deve-se construir fossas sépticas conforme as normas técnicas vigentes, sendo periodicamente limpas de forma a evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Para o planejamento do uso e ocupação em áreas rurais, deve-se conceber um projeto eficiente de irrigação e drenagem, com boas práticas de manejo, de modo a reduzir a infiltração de nitrato nas águas subterrâneas.

Deve-se manusear adequadamente os fertilizantes nitrogenados e dejetos animais, bem como gerenciar melhor a quantidade de nitrogênio aplicado no solo, evitando desperdícios e lixiviação de nitrato nos aquíferos. Deve-se armazenar adequadamente fertilizantes nitrogenados e/ou dejetos animais e destinar, apropriadamente, embalagens e eventuais resíduos, evitando que elas se constituam em fontes locais de contaminação por nitrato.

Outra solução á a construção de fossas sépticas conforme as normas técnicas vigentes, sendo periodicamente limpas de forma a evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Em relação aos aspectos construtivos dos poços e proteção da qualidade da água, os projetos e construção de novos poços em áreas urbanas e rurais devem atender à legislação e às normas técnicas vigentes.

 



Em alguns casos específicos, é possível readequar os poços contaminados objetivando a melhoria na qualidade da água captada. No caso de poços de abastecimento público, efetivar a implementação de Perímetros de Proteção de Poços (PPP), de forma a atender à legislação. Deve-se estabelecer programas de comunicação social, destinados aos usuários de águas subterrâneas, considerando a regularização dos poços e a orientação quanto à necessidade de informar o órgão gestor competente sobre a contaminação do poço, de modo a definir os procedimentos subsequentes. Por fim, deve-se realizar o monitoramento da qualidade das águas subterrâneas, de acordo com os padrões exigidos na legislação.

Quem quiser, pode fazer o download gratuito do livro clicando no link https://smastr16.blob.core.windows.net/igeo/2020/01/boletim_ig_nitrato.pdf

 

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Hayrton Rodrigues do Prado Filho

hayrton@hayrtonprado.jor.br

Artigo atualizado em 23/03/2020 01:23.

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