As ilegalidades do novo modelo regulatório do Inmetro (I)
Redação
O Inmetro disponibilizou a proposta do seu novo modelo regulatório. Deve-se louvar o empenho da instituição em querer acompanhar e incorporar as inovações e as tecnologias decorrentes da transformação digital na sociedade, em particular a denominada indústria 4.0, nas suas atividades regulatórias. A ideia central do documento é fortalecimento da atividade regulatória assegurando o acompanhamento da indústria e do mercado face às inovações tecnológicas, com um maior engajamento, informação e participação das partes interessadas, incentivando e promovendo as práticas de monitoramento e avaliação dos resultados, objetivando que a atuação regulatória se mantenha adequada à finalidade e relevância pretendidas, e permaneça efetiva e proporcional aos problemas enfrentados. Mas, não precisava propor tantas ilegalidades no texto.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho –
Uma das muitas ilegalidades inseridas no modelo regulatório é a definição de norma técnica: documento estabelecido por consenso e emitido por um organismo reconhecido, que fornece, para uso comum e repetido, regras, diretrizes ou características para produtos, serviços, bens, pessoas, processos ou métodos de produção, cujo cumprimento não é obrigatório. Pode também tratar de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a um produto.Isso é ilegal, pois a própria autarquia Inmetro é obrigada a cumprir as normas técnicas, já que a Lei nº 4.150, de 21 de novembro de 1962, em vigor, instituiu o regime obrigatório de preparo e observância das normas técnicas nos contratos de obras e compras do serviço público de execução direta, concedida, autárquica ou de economia mista, através da Associação Brasileira de Normas Técnicas e dá outras providências.Nos serviços públicos concedidos pelo governo federal, assim como nos de natureza estadual e municipal por ele subvencionados ou executados em regime de convênio, nas obras e serviços executados, dirigidos ou fiscalizados por quaisquer repartições federais ou órgãos paraestatais, em todas as compras de materiais por eles feitas, bem como nos respectivos editais de concorrência, contratos ajustes e pedidos de preços será obrigatória a exigência e aplicação dos requisitos mínimos de qualidade, utilidade, resistência e segurança usualmente chamados de normas técnicas e elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, nesta lei mencionada pela sua sigla ABNT.
Essa nova proposta de definição de norma técnica, também, contraria o ABNT ISO/IEC GUIA 2:2006 que define a norma como o documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece, para uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou características para atividades ou seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. Acrescenta que as normas devem ser baseadas em resultados consolidados da ciência, tecnologia e da experiência acumulada, visando à otimização de benefícios para a comunidade. Já, de acordo com o referido guia, a norma nacional é aquela adotada por um organismo nacional de normalização e colocada à disposição do público e uma norma mandatória é aquela cuja aplicação é obrigatória em virtude de uma lei geral, ou de uma referência exclusiva em um regulamento. Também vai contra uma lei federal, o Código de Defesa do Consumidor que é claro sobre as práticas abusivas: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: ... VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).
Classificar a norma técnica como de cumprimento não obrigatório, como quer o Inmetro com o apoio explícito do Diretor Geral da ABNT Ricardo Fragoso, é cuspir ilegalidade para cima de pessoas sérias e comprometidas com qualidade nesse país. É querer defender o direito autoral da norma técnica que já foi sepultado por decisões dos tribunais brasileiros. Não se pode sob o pretexto da liberdade econômica, destruir o sistema brasileiro de normalização e as garantias mínimas dos consumidores e das empresas que trabalham de forma responsável. O Inmetro deveria ter a preocupação de priorizar a normalização e determinar que as agências do governo priorizassem o cumprimento da legislação brasileira no uso das normas técnicas, desestimulando a elaboração e utilização de regulamentos técnicos nos casos em que as normas oferecem os insumos técnicos necessários. O acesso democrático e o compromisso de cumprimento das normas técnicas nacionais são ainda excelentes argumentos para vendas ao mercado internacional como, também, para regular a importação de produtos que não estejam em conformidade com os requisitos mínimos de segurança, desempenho e padronização com as normas do país importador. É importante observar também que os acidentes de consumo, tão propalado pelo Inmetro, desde que o equipamento não cumpra os princípios de fabricação de acordo com uma norma técnica, são de responsabilidade dos fabricantes, bastando o consumidor acionar os órgãos de defesa do consumidor, a Justiça, ou diretamente o Ministério Público. Isso também vale para um prestador de serviço que não segue as normas brasileiras.
A diretoria do Inmetro precisa entender que a norma técnica brasileira tem a natureza de norma jurídica, de caráter secundário, impositiva de condutas porque fundada em atribuição estatal, sempre que sinalizada para a limitação ou restrição de atividades para o fim de proteção de direitos fundamentais e do desenvolvimento nacional, funções, como já se afirmou, eminentemente estatais. Pode ser equiparada, por força do documento que embasa sua expedição, à lei em sentido material, vez que obriga o seu cumprimento. As NBR que são regras de conduta impositivas são obrigatórias para os setores produtivos e de serviços em geral, tendo em vista que, além de seu fundamento em lei ou atos regulamentares, tem em vista o cumprimento da função estatal de disciplinar o mercado com vistas ao desenvolvimento nacional e à proteção de direitos fundamentais tais como os direitos relativos à vida, à saúde, à segurança, ao meio ambiente etc.
O Inmetro precisa saber que existem duas ABNT: uma, a normalizadora formada por mais 15.000 pessoas ou profissionais que prestam um trabalho gratuito dentro das comissões de estudo, correspondendo aos seus membros, coordenadores e secretários de reuniões, etc. que elaboram, com seu trabalho voluntário, as normas técnicas brasileiras (NBR). E a outra ABNT (carimbadora, veja meus textos sobre essa outra) formada por uma diretoria executiva remunerada (sem transparência) que não presta contas à sociedade (razão de sua existência) e obtêm várias vantagens questionáveis no ponto de vista das leis que regem as entidades de utilidade pública (sobre isso tratarei em novos textos). Essa ABNT (carimbadora) cobra preços abusivos de acesso às normas técnicas brasileiras (NBR) e ainda impede a sua disseminação, proibindo, ilegalmente, o compartilhamento gratuito dessas normas. Essa ABNT somente recebe os documentos normativos dos normalizadores e, caso o processo de feitura dos referidos documentos tenha seguido as diretrizes estabelecidas pelo Conmetro, carimba o número da norma. Deve-se ressaltar que é aí que existe a diretoria executiva, a qual estabelece seus próprios salários e custos da entidade carimbadora, os quais, de acordo com a estratégia deles, precisam ser bancados pelos preços das normas.
O Inmetro não deve propagar que a norma técnica brasileira (ABNT NBR) não é de observância obrigatória, muito menos em documento oficial, pois além de ser uma fake news e uma ilegalidade, como provado acima, só irá beneficiar empresas inescrupulosas que, para aumentarem seus lucros, irão alegar que não precisam cumprir os requisitos mínimos de desempenho, segurança etc. constantes nas normas, pois o próprio Inmetro não reconhece que elas são de observância obrigatória. Isso é uma aberração.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital AdNormas https://revistaadnormas.com.br, membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) e editor do blog https://qualidadeonline.wordpress.com/ - hayrton@hayrtonprado.jor.br